sexta-feira, 23 de abril de 2021

Vídeo do Lançamento da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri - Volume 4

 Olá.

O lançamento do Volume 4, da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, ocorreu no dia 21 de abril de 2021 de forma online.

Este foi o primeiro lançamento realizado ao vivo, via internet, desde a criação do Instituto.

Sob mediação do Professor Dr. Antonio Jorge de Lima Gomes participaram do lançamento a Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri a Professora Íris Soriano Nunes Miglio,  o Engenheiro Gilberto Ottoni Porto, Prof. Dr. Leônidas da Conceição Barroso e o Professor Wallace Gomes Moraes.

Figura: Participantes na LIVE do lançamento da Revista do IHGM volume 4.


O vídeo do lançamento já está disponível no Youtube e para assistir clique na figura anterior ou copie o link seguinte

https://www.youtube.com/watch?v=oXDVABfdIhw

Assistam o vídeo e leiam a revista.

Maiores informações no e-mail: ihgmucuri@gmail.com 

terça-feira, 20 de abril de 2021

Lançamento do Volume 4 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri

Comunicamos e convidamos para o lançamento do Volume 4 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, que será realizado online no dia 21 de abril de 2021 às 19:00 horas, no Facebook de Antonio Jorge de Lima Gomes, conforme figura abaixo.



quarta-feira, 3 de março de 2021

O direito ao grito

Há pouco tempo fui provocado a ler A hora da estrela, de Clarice Lispector. Isso partiu de uma conversa com uma velha amiga. Digo ler – e não reler – porque a primeira leitura que fiz há mais tempo foi rápida. Essa autora instigante, que está na fronteira entre literatura e filosofia, merece ser lida com toda a atenção.

A hora da estrela é último romance publicado em vida pela escritora e narra o cotidiano de uma mulher nordestina que vive no Rio de Janeiro. Sua vida sem emoções, sem cores e sem sabor. A narrativa seca e dura nos faz acompanhar Macabéa e, inevitavelmente, nos afeiçoamos a ela.  

Antes, porém, quero dizer do modo como eu leio esse livro. O leitor certamente tem ou terá o seu. A riqueza da arte é nos possibilitar formas diversas de experiência. Não me arrisco, por exemplo, a fazer uma leitura de gênero do romance, por não me julgar capacitado para isso. Nem diretamente uma leitura de classe. Tais aspectos estão inegavelmente presentes, afinal, é um romance sobre uma mulher pobre, nordestina e que sofre constantes humilhações na grande cidade.

Leio “A hora da estrela” como dois livros amarrados. Um que narra a história de Macabéa; outro que se constitui como conjunto de pensamentos da autora. Os dois, que se entrelaçam o tempo todo, oferecem-nos grandes momentos. Começo pelo segundo.

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever”. Nada mais pungente que isso. Por que se escreve? Filosofia, literatura? Resposta: porque ainda existem perguntas. Como diz a autora: “Este livro é uma pergunta”. E a opção de Clarice é por um texto cru, duro como a vida da protagonista, com máxima simplicidade nas palavras. Afinal, “a palavra tem que se parecer com a palavra”.

É curioso como a narrativa demora a apresentar Macabéa. Parece haver uma angústia da própria escritora em falar de algo que lhe provoca e, ao mesmo tempo, em procurar a forma adequada de fazê-lo. Como falar de uma “inocência pisada”, de uma “miséria anônima”? O que quer mostrar a autora com tais reflexões? Muitas podem ser as respostas. Escolho a minha: ela escreve “porque há o direito ao grito”. Da personagem e da autora.

O outro livro, o central, é a história de Macabéa, ou melhor, “as aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela”. Nascida no sertão de Alagoas, órfã aos dois anos e criada por uma tia beata e insensível, essa jovem de dezenove anos acaba no Rio de Janeiro, trabalhando como datilógrafa. Divide o dormitório com quatro companheiras que exaurem suas forças no trabalho. Seu primeiro namorado é o ambicioso Olímpico de Jesus, que não passa de um sobrevivente, descontando nos outros e sofrimento que a vida brava do sertão lhe impusera antes de partir pra cidade grande. Olímpico não ama Macabéa, mas sim o seu projeto de tornar-se homem de sucesso. Por isso não titubeia em constrangê-la. Macabéa tem no seu curto namoro mais uma relação de silenciamento.

Como é a vida de Macabéa? Simples: “ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando”. Passa o dia no trabalho e as horas vagas ouvindo a Rádio Relógio. Aprendeu a receber, sem reclamar, as pancadas na cabeça dadas pela tia e também as que a vida mesma lhe dava: “As pancadas ela esquecia, pois, esperando-se um pouco a dor termina por passar”. O leitor que vai acompanhando a narrativa se sente incomodado, quer que Macabéa rompa suas cadeias: “Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? Não, ela é doce e obediente”. Tal como o narrador, nossa vontade é a de “fazer com que quando ela acordasse encontrasse simplesmente o grande luxo de viver”.

E há, sim, momentos belos! Em um deles ela experimenta pela primeira vez a solidão, quando falta ao trabalho e tem o dia e o quarto só para si. Saboreia mesmo uma pontinha de liberdade. Noutro momento, ao ver a capa de um livro do seu patrão, chega quase a se reconhecer no título “Humilhados e Ofendidos”.

Mas o momento mais sublime é, sem dúvida, quando Macabéa conta a Olímpico, dono de uma insensibilidade agressiva, sobre o dia que ouviu no rádio a música “Una furtiva lacrima”. Sem saber porque, a música se materializara, arrancando-lhe lágrimas; e agora chora novamente ao recordar a cena. Ela tenta até cantarolar a canção, mas a vida não lhe dera um namorado capaz de ouvi-la e de entender a grandeza daquela história. E ela se cala, uma vez mais.

Na última parte do romance ocorre o encontro de Macabéa com a cartomante. Não o detalharei, porque é preciso que o leitor percorra os parágrafos, com a calma que eles merecem. É ali, por exemplo, que o afeto que a moça nunca recebera na vida parece, enfim, emergir do mais profundo de si. A ponto de explodir em um terno beijo na velha senhora. Como na infância, ao acariciar a cartomante, era como se Macabéa acariciasse novamente a si mesma...

Mas, afinal, ela se rebelou? Ela descobriu que pertencia a uma resistente espécie “que um dia vai reivindicar o direito ao grito”? Aquela inocência foi, enfim, respeitada neste inóspito mundo? Passo a bola a você, leitor.

Finalizando, vale perguntar: O que este livro nos provoca? Posso falar do seu efeito em mim: Macabéa somos todos nós! Como ela, que “era um acaso”, também não sabemos, ou fingimos não saber, que, “numa sociedade técnica”, não passamos de parafusos dispensáveis. E a vida? O que seria? Nem de longe uma coisa fácil. Como bem disse o narrador: “A vida é um soco no estômago”.

* * *

Sugestão de leitura: “A hora da estrela” (1977), de Clarice Lispector. Publicado pela editora José Olympio. Disponível em PDF na internet.

 

José Carlos Freire

Professor na UFVJM, campus de Teófilo Otoni. Contato: freire.jose@hotmail.com

Fonte: Publicado em 17 de fevereiro de 2021 no Jornal Diário Tribuna no link: https://diariotribuna.com.br/?p=7890 

domingo, 3 de janeiro de 2021

A amendoeira de Copacabana

O ofício de cronista exige que prestemos atenção à natureza (mesmo que ela não preste atenção em nós). Isso escreveu Drummond nos anos 50, mas o poeta foi além da observação e, saborosamente, conversou com uma velha amendoeira à frente da sua janela. Superpoderes de poeta. Acredito que o espírito extrovertido da árvore — próprio dos cariocas — tenha contribuído para a fluidez do colóquio. Provecta e espirituosa, a amendoeira explicou que começava a outonear, mas que o tempo andava desorganizado e, com isso, ela ainda trazia um resto de verão, uma antecipação de primavera e uma suspeita de inverno. Ao final, filosofou: outoniza-se com dignidade, meu velho.

Se a vizinha de Drummond sentia o mundo desorganizado nos distantes anos 50, imagino o que ela diria dos tempos atuais. Em março, o planeta saiu dos eixos e depois começou a girar ao contrário. Alguns se acostumaram, outros ainda não. Veraneamos assustados. Outoneamos acuados. Inverneamos ressabiados. Há pouco, começamos a primaverar, meio sem jeito, dançando fora do compasso. Insistimos em ser primaveris autênticos e o máximo que conseguimos é um arremedo de normalidade.

Se tivesse os poderes de Drummond, também gostaria de conversar com a natureza. Eu até tento, mas ela não responde (pelo menos não em uma linguagem inteligível). Outro dia, comentei com a minha jovem pitangueira: Que calor é esse? Ela quedou-se muda e estoica. E era mesmo um calor “de derreter os untos” como diria o Otto Lara Resende. Mantive a contemplação. O jasmim estava vistoso e cheio de florezinhas brancas. Um casal de bem-te-vis fazia piruetas no céu. O poeta tinha razão: a natureza não prestava atenção em nós. Mais do que isso, ela não precisava de nós. Ela era mais competente do que nós para lidar com o mal que nós nos causávamos.

Mas eis que a chuva caiu sobre a terra. Os pingos gordos e afoitos encharcaram as almas desérticas que definhavam, letargicamente, como frutas desidratadas. Escrevi letargicamente e o corretor sugeriu: liturgicamente. Sugestão aceita, meu chapa. Assim, liturgicamente, a chuva poderia ser uma ablução. Um rito de purificação para os pecadores. Será que merecemos a indulgência? Os fiéis acreditam que sim, que sempre haverá chuva. Os racionais dirão que não, que o Universo pode se cansar das nossas transgressões.       

Aprenderemos nós com essa desorganização do mundo, essa noção de tempo perdido, essas estações enviesadas, esse calor que derrete os untos, os ossos e os nervos?  Tomara que sim. O ciclo das estações está se fechando e vem chegando o verão novamente. Precisamos, como a amendoeira de Copacabana, guardar um pouquinho de cada estação para que, no próximo ciclo, comecemos a outonear com dignidade.

Crônica de Luciano de Alberto Castro

Fonte https://www.revistabula.com/37366-a-amendoeira-de-copacabana/ em 03/01/2021

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A esperança

 O ano de 2020 vai se encerrando. Um ano difícil, extenuante. Perdas de pessoas queridas, dificuldades diversas, angústia, medo. Não seria exagero se tomássemos tais elementos como destaques para nossa retrospectiva. No entanto, é com outra chave que gostaria de encerrar o ano nesta coluna. Pretendo falar de esperança. Mas quero fugir do lugar comum dos votos de felicidade, das frases de cartão, dos belos pensamentos que invadirão em breve nossas caixas de mensagens.

O final do ano é tempo propício para projeções. Traçamos planos, fazemos uma lista de coisas para o ano seguinte, prometemos mudanças. Está perfeito. O desafio é saber em que medida tais projetos se configuram como buscas reais ou meras fantasias. Além disso, há outro elemento mais decisivo em nosso tempo: o que esperar de um ano sobre o qual não conseguimos sequer ter ideia de como será?

Vou recuar um pouco. Por que temos esperança? Por que gastamos tanta energia com um futuro imaginado? Difícil dizer. Todos os seres transitam de um estado a outro, mudam com o tempo. Não há estagnação na natureza. Mas o bicho humano quer mais. Celso Viáfora sintetizou belamente isso em sua canção “Água do mar”: “Eu não quero pouco: / só quero tudo, / pelo tempo todo,/ pra todo mundo”. A esse anseio profundo Adélia Prado chamou de “fome”. Um sentimento dúbio, porque ao mesmo tempo que queremos saciá-la, de alguma forma desejamos que ela volte, para novamente buscar o alimento. Seus versos são certeiros: “Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.”. Nós desejamos o desejo...

O filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677) dedicou-se ao tema dos afetos de forma rigorosa e demorada. Pontuo aqui apenas um ou outro elemento. De acordo com Spinoza, somos essencialmente desejo. Esse “desejo”, porém, não é o mero anseio por algo ou alguém, mas sim um impulso constitutivo de nosso ser para sua conservação ou crescimento. Como não somos isolados da natureza, e sim parte dela, seguimos sua ordem geral: um esforço permanente de preservação, para aumentar nossa potência de agir e de ser. Para encurtar o caminho: quando esse impulso é atendido, tornamo-nos mais alegres, mais potentes; quando não, é a tristeza que nos toma.

Isso tudo para dizer que a esperança é uma forma de alegria, só que antecipada na imaginação. É um desejo de alegria que está por vir. Por isso é frágil. O aumento de nossa potência de agir ainda não aconteceu, ele está projetado no futuro. Nesse sentido, se for reduzida à mera espera passiva, a um estado de expectativa pura e simples, a esperança se transforma em lenitivo, em alívio apaziguador do presente por meio de uma projeção imaginária. Ficamos parados à espera de um milagre. Porém, se transformada em postura ativa a esperança nos potencializa, nos motiva a abrir caminhos. Colocamo-nos em movimento. Para dar um exemplo pessoal numa lembrança que me vem, foi o que, intuitivamente, acabei fazendo no dia em que, com onze anos, disse à minha mãe, na volta da escolinha rural, que queria continuar os estudos, ir para a cidade, conhecer o mundo.

Mas é preciso cautela. Eu poderia facilmente incorrer numa narrativa falsa da história para dar um tom solene: “Naquele momento tracei um novo rumo para a família! ”. Não é verdade. Por dois motivos básicos: primeiro, não temos o poder de causar as coisas apenas por antecipá-las na mente. Participamos de processos, engajamo-nos em algo, dedicamo-nos a um objetivo. Portanto, são ações – e não a mera vontade – que fazem com que as coisas aconteçam ou não. O segundo motivo está intimamente ligado ao primeiro: não estamos isolados. Ao chegar no mundo o encontramos permeado de encontros e desencontros e, como quem sobe em um ônibus no centro da cidade, passamos a compor aquele complexo de relações. De tal maneira que uma decisão – por exemplo, a de uma criança que decide continuar seus estudos – não nasce do nada; é fruto de motivações que ela sequer imagina e que, na sequência, será incluída em uma trama altamente complexa de outras expectativas dos pais, família, vizinhos, a sociedade toda. Sem falar nas questões materiais, nas implicações concretas de uma determinada decisão, dinheiro, emprego etc.

O que quero com esse raciocínio tão complicado? Certamente não é cansar o leitor, mas sim lembrá-lo de que: 1) por mais belos que sejam seus anseios, somente o fato de projetá-los na mente não indica que se realizarão; 2) na tentativa de realizar seus objetivos para o próximo ano, precisará considerar a trama de relações, situações, circunstâncias e fatores diversos que não dependem de você.

Mas então não há sentido em ter esperança? Não diria isso. Diria, recordando uma vez mais Spinoza, que ela é um sentimento frágil, pois a incerteza também comparece no jogo. Onde há esperança há também o medo. Esperança é desejo de realizar, conquistar algo, ser alguma coisa. O medo é o seu reverso, pois não é certo que realizaremos, conquistaremos ou seremos o que planejamos.

Uma posição mais sábia, portanto, seria aquela que reveste a esperança de uma profunda reflexão crítica. Primeiramente, buscar entender o que desejamos e porque desejamos. Ter a consciência das motivações de nossa esperança. Concomitantemente, avaliar as reais condições de cumprimento daquilo para o qual nossa esperança aponta. É preciso pensar o que é necessário de esforço meu, em que medida depende não só de mim, mas de outros; de que forma é viável ou não; e, o mais importante de tudo, se é mesmo um bem aquilo que anseio. Numa palavra, conhecer melhor minhas próprias ações e também a trama em que estou inserido, que é sempre mais complexa do que eu consigo compreender.

Tudo isso não garante em nada uma maior eficiência no cumprimento de nossos sonhos. Só haveria receita de sucesso se o mundo respondesse ao nosso apelo ou se vivêssemos isolados. Posto que não é assim, a única vantagem em revestir nossa esperança de reflexão crítica é que, seja qual for o resultado, teremos avançado um pouco mais na capacidade de orientar nossas ações e sentimentos, conhecer melhor quem somos, deixando de esperar, passivamente, que o mundo e a vida nos sejam favoráveis.

Não há mal algum nas frases feitas de virada de ano, nos desejos de coisas boas para quem está ao nosso lado. Porém, é tudo ainda expressão do lado frágil da esperança. Voltando à questão: o que esperar do próximo ano? Claro que devemos querer o melhor, mas o decisivo mesmo se dá aqui e agora. Que venha 2021. Antes dele, porém, temos ainda um pedaço de 2020 para viver. Façamos dele o melhor possível.

 

José Carlos Freire

Professor na UFVJM, Campus de Teófilo Otoni

Fonte: Publicado em 18 de dezembro de 2020 no Jornal Diário Tribuna no link: https://diariotribuna.com.br/?p=6718

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A felicidade - II

Na crônica anterior propus uma reflexão sobre três modelos de felicidade. Gostaria de falar de outros três, lançando mão do mesmo esquema de divisão histórica – o mundo antigo, o medieval e o moderno. Desta vez, porém, farei o caminho inverso: partirei de nossos tempos, seguindo até a antiguidade.

Primeiramente, um modelo de múltiplas faces ao qual podemos chamar de ideal de vida comunitária alternativa. Desenvolveu-se, sobretudo, nos últimos sessenta anos. Há uma variedade enorme de manifestações que caberiam nesse referencial, desde os movimentos de contracultura nos anos 1970, passando pelas comunidades de cunho esotérico, até as atuais expressões mais elaboradas como as agrovilas e ecovilas, muitas vezes oriundas de movimentos sociais.

O que seria comum a essas modalidades? Independentemente do número de pessoas, famílias ou grupos que as compõem, as comunidades carregam essa marca essencial: são alternativas. A quê?  Sobretudo ao modo de vida capitalista, com sua lógica industrial, de competição a qualquer custo e de destruição do meio ambiente. Dessa resistência decorrem aspectos práticos como a produção coletiva, o consumo de alimentos orgânicos, a educação das crianças a partir de outros referenciais etc. Tentativas de forjar uma vida saudável e solidária, mesmo dentro de uma ordem social mais ampla que aponta para outra direção.

Quem se aproxima de tais comunidades ou simplesmente ouve falar sobre elas costuma ter uma reação mais ou menos esperada: são utópicas! Estou de acordo. A vida alternativa é um desafio gigantesco. Mas convidaria o leitor a, pelo menos, reconsiderar sua visão sobre essas iniciativas. Elas nos dizem algo muito sério: será que o modo de vida “normal”, a que a maioria se ajusta, de fato funciona? Para onde rumamos com os preceitos que regem nossa vida social? Talvez seja o caso de ouvir com mais atenção a provocação que nos vem da música “Balada do Louco”, de Arnaldo Baptista e Rita Lee: “Dizem que sou louco por pensar assim./ Se eu sou muito louco por eu ser feliz,/ mais louco é quem me diz e não é feliz”.

Regredindo no tempo, poderíamos nos deter em diversas manifestações ao longo da chamada Idade Média que, de algum modo, destoaram da oficialidade cristã. Enquanto esta se orientava pelo medo do pecado e pela ideia de purificação da alma, já que a felicidade somente se encontraria numa vida futura, muitos grupos se configuraram de outros modos. É o caso dos mendicantes, cujas expressões mais conhecidas são os seguidores de Domingos Gusmão e Francisco de Assis – para os católicos, “São Domingos” e “São Francisco”.

Tais grupos não estavam isentos de contradições e nem da marca institucional romana que era dominante. Mas havia algo mais interessante. É o caso de Francisco de Assis que recomendava práticas como o desapego de riquezas e honrarias; o cultivo da fraternidade; a contemplação da natureza como co-irmã do humano; e aquilo que, sem dúvida, era o mais profético: num tempo de pessoas sisudas e pregações ameaçadoras, Francisco falava da alegria de viver. É curioso que hoje, oito séculos depois, os valores defendidos por ele se mostrem ainda relevantes. Mais que o patrono da ecologia, Francisco de Assis é uma espécie de arquétipo do sábio, similar a outros místicos do ocidente e do oriente.

Por fim, recuando ainda mais, temos as escolas de vida que floresceram na Grécia antiga e posteriormente por toda a Roma. São chamados de “escolas” menos pelo conteúdo e mais pela forma de vida que procuram ensinar. Destaco uma entre elas que me parece muito atual: os epicuristas. O Jardim de Epicuro era o espaço educativo em que o filósofo divulgava ideias como o cultivo das coisas simples, a valorização da amizade, a consideração do sofrimento e da dor como inerentes à vida. Para ele todos deveriam se dedicar à filosofia, porque ninguém é demasiado jovem ou velho para buscar a saúde do espírito. Aí está um preceito valioso: o caráter terapêutico do conhecimento. Não essa ladainha que nos é imposta o tempo todo de aprender mais para competir melhor. Não. Para Epicuro, buscar o conhecimento é almejar a sabedoria, o que implica em um movimento duplo: admirar-se com as coisas simples e belas e, simultaneamente, desassombrar-se do medo do futuro. Além disso, o cultivo da sabedoria é uma maneira de superar ou suportar a hipocrisia das convenções sociais. Em síntese: uma maior tranquilidade da alma; hoje diríamos, quem sabe, um maior equilíbrio interior.

Para o epicurismo a vida pode se tornar prazerosa. Não por ser um mar de rosas e perfeita. Ela continua difícil e complicada, mas nossa postura diante dela se modifica: passamos a experimentar os momentos bons com mais profundidade e os momentos difíceis com maior serenidade. Assim, nosso ânimo fica predisposto a aproveitar os períodos de prosperidade, alegria e saúde; da mesma maneira como nos preparamos, sem ansiedade, para as fases de dificuldade, tristeza e doença. Isso tudo cercado de boas amizades e meditação.

São três referenciais de busca da felicidade. Nenhum deles, certamente, capaz de nos dar todas as respostas. Mas pelo menos nos oferecem caminhos. O leitor certamente terá encontrado pontos de contato entre as comunidades contemporâneas, as medievais e as antigas. Talvez pelo fato de que, apesar da força do modo de vida que impera em uma época, habita em nós um anseio por autenticidade, por profundidade. Talvez haja, nas brechas do cotidiano e nas “falhas do sistema”, trilhas possíveis de uma existência alternativa.

 

José Carlos Freire

Professor na UFVJM, campus de Teófilo Otoni

Fonte: Publicado em 16 de outubro de 2020 no Jornal Tribuna Diário no link: https://diariotribuna.com.br/?p=5053  

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Pura Fachada

Fachada: o lado situado no exterior. O que é visto de forma primeira. O escancarado.

E é bem verdade que, embora nem sempre haja sintonia entre o que há de fora e o de dentro, por aqui isso é quase um postulado. A concordância é nenhuma, ou quase.

O ceticismo exposto esconde a utopia do amor. A boca que alardeia tendência poligâmica na verdade quer viver pra sempre no mesmo colo.   O cérebro que muitas vezes calcula o tamanho do passo queria mesmo era pular. Às vezes mergulhar de cabeça. Inconsequência. Anda, calcula, mais por medo do que por convicção. Raramente convicção.

O coração grita, exige atenção e, embora a receba de madrugada, na luz não tem a mesma sorte. É calado a cada volta do ponteiro. Que vergonha, oras, diz ele pra si mesmo.

Isso não existe, diz ele, querendo acreditar. Nega, balança a cabeça. O coração cobra na madrugada, mas já é tarde demais.

Acostumado a afirmar fatos e certezas, discorre sobre sua opinião como um jornal expõe um fato, mas omite suas inseguranças. Na verdade, não sente nenhuma certeza.

Às vezes deixa passar, sem querer, a voz do coração que só surgia no escuro, mas logo retifica, alegando engano. Pergunta-se: até quando vai durar todo esse peito de aço, mas esquece e segue. Na verdade, não esqueceu.

Que linda essa fachada! Vale a pena?

 

Luciano Leite de Castro

Goiânia, 18/11/2020.

Vídeo do Lançamento da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri - Volume 4

  Olá. O lançamento do Volume 4, da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, ocorreu no dia 21 de abril de 2021 de forma onlin...